Quem cuida de quem cuida?

Desde junho de 2022, a professora de Artes Visuais Ingrid Marie de Moraes vem desenvolvendo a intervenção artística “Ver o BEM para haver o BEM”, projeto que faz uso de óculos escuros customizados por parte dos participantes e é um convite para que todos os profissionais da educação pensem em si mesmos e se cuidem mais. Na entrevista abaixo, realizada pela equipe de comunicação social do Campus Humaitá II, a docente conta mais detalhes da sua proposta.
- Antes de falarmos sobre seu projeto, conta um pouco sobre sua história com o Colégio Pedro II.
Entrei como estudante, duas vezes, e como professora, duas vezes! Então vou mencionar essas datas. Primeiro ingressei como aluna do Ensino Básico. Fui sorteada para a então Unidade de São Cristóvão I, em 1996, um sorteio de vagas ociosas para a antiga 2ª série do Ensino de Primeiro Grau. Esse foi o ano de inauguração da pista de corrida do Complexo de São Cristóvão e das novas quadras também. Me lembro muito bem porque houve uma espécie de abertura olímpica da qual eu participei com pompons vermelhos. Depois fui para o Humaitá I e segui de lá para o Humaitá II. Voltei para a instituição como professora contratada, em 2013, em Duque de Caxias, nas instalações recém-construídas. Em 2014, passei pelo Humaitá II, onde tive, como colegas de equipe, ex-professoras de Artes. Em 2015, tornei-me efetiva. Comecei a trabalhar em São Cristóvão II e vim para Humaitá I, em 2016. Tive a oportunidade também de ser aluna do mestrado ProfEPT do Colégio Pedro II, entre 2018 e 2021. Ou seja, fui professora e estudante em situação de ensino remoto emergencial ao mesmo tempo, uma loucura! Essas são as minhas quatro entradas no CPII.

- Então vamos falar sobre o projeto de customização dos óculos com os colegas dos campi Humaitá I e II. Conta como tudo começou.
Para explicar do que se trata essa ação artística, quero partir de outra pergunta: “Quem cuida de quem cuida?”. Escutei essa pergunta de uma colega e acho importantíssimo buscarmos respondê-la em nossa escola, o CPII.
Iniciei uma ação artística de acolhimento em meu campus de origem – Ver o BEM para haver o BEM – de forma bastante espontânea depois de mergulhar em um poço de insatisfação aqui na escola. Acredito que acolhi, primeiro, a mim mesma, pensando nas minhas necessidades. O trabalho estava pesado, as relações, difíceis, os conflitos, constantes, e eu, cansada.
Atribuo isso ao contexto pós ensino remoto emergencial que se somou a um peso já existente no CPII – a sobrecarga de trabalho em função do número limitado de servidores em nossa escola, que não corresponde às nossas demandas específicas e atuais. O “corpo” cresceu e a “roupa” não. Isso, naturalmente, incomoda e gera apertos! Eu não estava bem. Sabe aquele aviso dado pelos comissários de bordo antes de um voo decolar? “Em caso de despressurização, máscaras de oxigênio cairão dos compartimentos superiores.” Bem, o tal aviso estava ecoando em minha cabeça. O voo no CPII despressurizou e nós, os adultos responsáveis, aqueles que cuidam, deveríamos ser os primeiros a colocar as máscaras de oxigênio, antes de ajudar os demais, mas muitos de nós não estamos fazendo isso. Quem cuida de nós, profissionais da educação? Acredito que a escola deve propiciar meios para que nós cuidemos de nós mesmos.
Onde estão as nossas máscaras de oxigênio? Precisamos de ARRRRRRRRRRRR. E de ARTE. Precisamos de AR……………………….TE.
Pensando nisso, fiz um primeiro convite às minhas colegas de Artes Visuais, pedi que me respondessem o que desejavam ver na escola, no mundo, escrevendo sobre as lentes de óculos escuros. Eu já havia escrito nos meus que gostaria de ver o “BEM”.
- Então sua intervenção nasce como uma necessidade sua e que se estende aos colegas de equipes e depois dos campi?
Sim, para que possam se cuidar mais, colocar a sua “máscara de oxigênio” e compartilhar a necessidade que deve ser acolhida para que, assim, possam estar em condições melhores a fim de acolher outros integrantes no espaço escolar, em especial, os nossos estudantes.
“Ver o BEM para haver é BEM” é um exercício investigativo e, de certa forma, tornou-se a minha máscara de oxigênio no nosso voo despressurizado. Não tenho a intenção de salvar ninguém, afinal, você é quem coloca em si mesmo a “máscara”, cada um de nós, os adultos responsáveis, aqueles que cuidam. Não fiz o avião, mas estou no voo e posso ser uma das comissárias de bordo a lembrar outros sobre a importância do AR.

- Como tem sido a repercussão dessa sua intervenção nos dois campi?
Esse exercício de trazer para fora as expectativas e reais necessidades que temos dentro de nós me motivou, ainda que vivendo esse tempo difícil na escola. Motivou alguns colegas, que “brincaram” junto, e repercutiu em estudantes. Andamos, vez ou outra, com os óculos pelos corredores, damos aulas com eles, nos comunicamos visualmente em um tempo em que a escuta tem sido comprometida.
Nós, de Artes Visuais, também chegamos a usar nossas lentes em uma reunião de responsáveis e tivemos como resposta, de muitos, olhos brilhando, risadas leves, aquele calor do acolhimento e desejo de fazer parte disso também. Algumas ideias, que surgem da reação a essa ação, têm sido agregadas a ela, pouco a pouco, como num trabalho de formiga, conferindo a ela novas formas.
- E daqui para frente, como pensa em dar continuidade a essa intervenção? Quais serão os desdobramentos desse projeto?

Para acompanhar o projeto, acesse o @verparahaver no instagram.