Refugiada faz relato para plateia de alunos e servidores do HU2

O Campus Humaitá II recebeu no dia 30 de outubro a refugiada Maria Gabriela Moreno e dois de seus filhos: Samuel, de sete anos, e Fernanda (2 anos). O auditório do campus ficou lotado com alunos e servidores que ouviram o relato da venezuelana que há dois anos mora no Rio de Janeiro. A palestra foi uma iniciativa Cáritas Brasileira, ONG que desenvolve o projeto “Refugiados na Escola”.
A atividade foi proposta pela professora de Geografia Zélia Aurea Thomáz. Segundo a docente, esse é tema muito importante que precisa ser debatido nas escolas. “Apesar de o Brasil contar com uma legislação muito avançada para receber refugiados, não possui uma situação que favoreça a inserção das pessoas que pedem asilo no mercado de trabalho, pelo menos não em um primeiro momento”.

A Cáritas Brasileira é uma das poucas entidades que prestam serviços de acolhida e integração a refugiados no Brasil. Voluntária da Cáritas Rio de Janeiro, a assistente social Catarina Almeida dos Santos fez uma apresentação da ação da ONG, lembrando que o Brasil é um dos signatários do Estatuto dos Refugiados, da ONU, e que possui legislação específica a respeito desde 1997: Lei Nº 9.474.
De acordo com a ONU, é considerada refugiada “toda a pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo, ou devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outros países.”

Entre as ações que a Cáritas Rio de Janeiro desenvolve, Catarina citou o acolhimento, fornecendo abrigo e alimento para as pessoas que acabam de chegar ao país, entre outras medidas emergenciais; apoio jurídico no acompanhamento da solicitação de refúgio (processo que pode demorar até três anos) e em casos de violações dos direitos trabalhistas, mais comum de ocorrer com refugiados; integração, facilitando o acesso às políticas públicas e à inserção profissional, acadêmica entre outras; capacitação e atividades culturais; e mobilização. “É nesta última que está inserido o projeto ‘Cáritas nas escolas’”.
Sobrevivência
Em seguida foi a vez de Maria Gabriela fazer um relato sobre sua vida e de sua família na Venezuela, de onde saiu grávida de oito meses. Casada com Jose Alejandro Echeczuria, Maria Gabriela disse que a questão da sobrevivência não foi o único motivo que os levou a se refugiarem no Brasil. “Não conseguíamos mais sustentar nossa família, estávamos passando muitas privações, mas também somos oposição ao governo de Nicolás Maduro e temíamos represálias”, ressaltou.

“Nós tínhamos uma vida estável, eu trabalhava como administradora de empresas em uma revista, meu marido era técnico em logística industrial e nossos filhos estudavam em escolas particulares. Mas chegou um ponto que a situação na Venezuela ficou insustentável. Ficamos desempregados e com a crise de desabastecimento no país não conseguíamos mais nos alimentar direito. Eu estava grávida, meu marido perdeu 15 quilos em três meses. Passávamos dois dias só comendo aipim e sardinhas”, relatou.
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Maria Gabriela contou que ela e o marido venderam tudo o que tinham para conseguir sair do país. Eles moravam na cidade de San Joaquim, no estado de Carabobo, região central da Venezuela. Foram três dias viajando de ônibus até chegarem em Roraima. Depois pegaram um avião para o Rio de Janeiro, onde ficaram por três meses na casa de parentes.

“Moramos por um tempo no morro do Turano, mas ali era perigoso, principalmente para meu marido, que chegou a ser confundido com um policial. Hoje vivemos na Tijuca, meus filhos Samuel e Alejandra estudam em escolas municipais, meu marido está trabalhando em um restaurante e participo de uma feira de refugiados em Botafogo”, informou. Ela vende patacóns, uma massa feita com bananas.
Preconceito
Maria Gabriela acredita que o brasileiro não tem muita informação sobre o que acontece com os refugiados. “Percebo um desconhecimento das pessoas sobre nossa condição. Não sabem que deixamos tudo para trás, chegamos sem documentos e sem ter para onde ir, ainda muito impactados com as mudanças ocorridas e com as diferenças culturais”, opinou.

A venezuelana também disse não sofrer preconceito pelo fato de ser refugiada. “Se isso acontece, não percebo. Ainda tenho dificuldades com a língua, não me expresso muito bem em Português”, alegou. Ela e o marido pensaram em emigrar para o Chile, mas seria uma viagem de 10 dias, o que não era recomendado para uma gestante no oitavo mês de gravidez (Fernanda nasceu dias depois da chegada da família ao Brasil).
Voltar para a Venezuela não está nos planos do casal por enquanto. “Mesmo que o atual regime caia, vai demorar muito tempo, talvez uns 20 anos, para o país se recuperar economicamente”, avaliou Maria Gabriela. A venezuelana confessou que gostaria de morar em um país de língua espanhola, mas precisa pensar primeiro nos três filhos. “Hoje acredito que eles terão um futuro aqui no Brasil.”

Doações
A Cáritas Brasileira também faz campanhas para arrecadar donativos para os refugiados. Desde 16 de outubro o Campus Humaitá II começou a recolher doações. A diretora-geral, Soraya Sabah, agradeceu à comunidade escolar por ter participado da campanha. O campus entregou à Caritas Rio de Janeiro sete caixas com donativos, a maioria leite em pó e fraldas descartáveis.